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LTONews
2023-09-25
Este artigo foi revisto pela última vez em
Este artigo foi modificado pela última vez em 25 de Setembro de 2023.

Andrea Penna - jornalista

 

"Uma das ações da SBPC/ML é mostrar aos estudantes de medicina que a especialidade existe, que o profissional patologista clínico é importante, agrega valor porque vai proporcionar o exame certo para o paciente certo, na quantidade certa, no momento certo e no local certo”, diz Leonardo Vasconcellos, Diretor de Ensino da entidade.

 

"Trabalhamos com imenso volume de dados, e a IA contribui para tomada de diagnóstico, integrar resultados de exames laboratoriais com a clinica do paciente. A IA não compete com o médico, mas sim, é seu aliado”, Dr Andre Mário Doi, diretor científico da SBPC/ML.

 

Enquanto as novidades tecnológicas aparecem cada vem mais em ritmo acelerado e vertiginoso na patologia clínica, o número de médicos que abraçam a especialidade encolhe a cada ano. Embora não exista um estudo sobre o porquê do pouco interesse dos estudantes de medicina pela patologia clinica, a SBPC/ML percebe alguns gargalos, apontados por  Leonardo Vasconcellos, Diretor de Ensino, e Dr Andre Mário Doi, diretor científico, ambos da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML). 

Vasconcellos explica que a patologia clinica lida muito com equipamentos, com a tecnologia: "quem faz os exames, teoricamente, são as máquinas, os aparelhos. Existem outros profissionais, de nível superior, extremamente competentes, capazes de realizar esses exames - a maioria é por automação -, as dosagens de hormônios, as bioquímicas, sorologia e outros. São, por exemplo, os  biomédicos, farmacêuticos bioquímicos e os biólogos, que estão inseridos no laboratório, já que a maioria dos laboratórios brasileiros não tem médicos patologistas clínicos. Então, quem vai interpretar esses resultados? Ao contrário da imagem ou da anatomia patológica que saiu no laudo, muitas vezes o resultado é número, que será interpretado pelo médico que solicitou o exame e conhece a história do paciente. Isso significa que em principio, o laboratório não precisa do patologista clínico. O que o diferencia é justamente o ensino médico, quem melhor pode ficar em contato com o corpo clínico, com a assessoria científica, com outros colegas. Embora não emitamos laudo, apenas resultados numéricos ou qualitativos, muitas vezes são os médicos patologistas clínicos os profissionais mais adequados para conversar com os colegas que têm dúvidas sobre interpretação, sobre resultados, interferência de medicamentos no resultado do exame, por exemplo. Ou seja, o médico não é fundamental na bancada, mas sim na assessoria científica, por agregar valor ao laboratório”, explica Vasconcellos, que acrescenta a importância do especialista também para ajudar na divulgação de informações importantes sobre exames, para a comunidade leiga.

Ele ressalta que o mercado também interferiu bastante no quadro da especialidade: “antigamente havia muitos laboratórios familiares, passando o negócio de pai para filho. Hoje, esse formato praticamente não existe mais. Os grandes laboratórios estão comprando e incorporando até mesmo outros grandes. Os especialistas hoje não vão investir para criar, portanto, outro laboratório, vão sim, buscar um grande laboratório de referência, seja público ou privado, para ele agregar valor ali. E esse cenário de baixa procura pela especialidade faz com que menos da metade das cerca de 300 faculdades médicas tenha patologia clínica, disciplina explicando as atribuições da especialidade. Então, ao longo dos seis anos de curso de graduação de medicina, muitas vezes o estudante fica sem as informações essenciais, pensando até que os exames são responsabilidade de outros profissionais de saúde e não de médicos". 

Vasconcellos conta que uma das ações da SBPC/ML é mostrar aos estudantes que a especialidade existe, que o profissional é importante, agrega valor porque vai proporcionar o exame certo para o paciente certo, na quantidade certa, no momento certo e no local certo. “O patologista clínico pode ajudar os médicos que solicitam exames, ainda mais nesse período de muitas novidades, que requer acuidade, estudo e cuidados. A educação continuada nesse aspecto é fundamental. A SBPC/ML está inserida nesse contexto, divulgando todas as informações sobre o novo exame, fazemos as gestões para que a novidade seja inserida na tabela do SUS, no Rol da ANS, por exemplo”. 

Sobre a disputa por profissionais médicos, Vasconcellos diz que não há patologista clínico desempregado ou insatisfeito. "O mercado de trabalho, aliás, está carente, os grandes hospitais e laboratórios estão precisando de médicos da especialidade para ensinar o corpo clínico, as escolas de medicina precisam desses profissionais para dar aulas na graduação, inclusive no mestrado e doutorado. Ou seja, as áreas de atuação do patologista clínico são diversas, o mercado de trabalho paga bem. Tem alguns que a trabalham até em telemedicina, dando suporte ao laboratório à distância, outros estão dentro do laboratório, gerenciando, avaliando qualidade de amostras. Outros ainda se dedicam à assessoria científica, ensino e pesquisa, banco de sangue, ou organizando laudos. Por isso, os residentes, quando terminam a especialização, tem o luxo de poder escolher onde vão trabalhar, já que a demanda é grande e são poucos que escolhem a patologia clínica”.

A Covid evidenciou esse quadro e a necessidade da especialidade. A biologia molecular, pós Era da Covid, disseminou para todos os laboratórios, inclusive os de pequeno porte. Ficou clara a importância do laboratório no sistema de saúde, toda semana surgem novos exames e aumenta a necessidade de um médico patologista clínico para agregar valor nos laboratórios. 

 

A inteligencia artificial na patologia clínica

Vasconcellos diz que a inteligência artificial não ameaça o mercado de trabalho dos patologistas clínicos. "A inteligência artificial já é utilizada nos grandes laboratórios há muito tempo, já que lidam com grandes volumes de dados, como liberação automática de dados, confronto de dados com série histórica, controle de qualidade, e outras ferramentas. Aliás, ao contrário, os laboratórios vão precisar de alguém para programar essas ferramentas de inteligência artificial, quais padrões e parâmetros, quais as relações entre cada ítem. E isso é exatamente uma das funções do patologista clínico. É um caminho sem volta. A IA pode sempre e cada vez mais poderá ser aliado do laboratório e do patologista clinico. Aliás, IA, Big Data, Internet das coisas, inteligência artificial, tudo isso é o mote do laboratório”.

Para Andre Doi, a inteligência artificial veio justamente para ajudar os laboratórios. “Trabalhamos com imenso volume de dados, a IA contribui para tomada de diagnóstico, integrar resultados  de exames laboratoriais com a clínica do paciente. Não compete com o médico, mas sim é sua  aliada. E para construir a IA vc precisa inserir o dado correto. E aí o papel do patologista clínico é essencial, seja para concluir diagnósticos ou para selecionar informações. Por exemplo, diagnóstico de dengue. Se utilizarmos apenas  IGM para fechar esse diagnóstico, teremos muitos resultados de falso positivos. Já sei então, que esse não ée o melhor parâmetro. Então, a seleção de qual dado será usado para munir o resultado que se procura, é fundamental e a IA nao faz isso. Quem faz é o médico”, diz.

 

As iniciativas da SBPC/ML

A SBPC/ML, como entidade científica, promove, organiza e executa congressos, jornadas - só esse ano de 2023 o Dr. André Doi realizou seis jornadas regionais locais -  os EADs,que associados ou não, podem ter acesso, e acontecem praticamente em todos os meses. Temos também parceria com outras entidades médicas, publicamos livros, convidamos para nossos eventos, vamos aos eventos deles, realizamos encontros especiais presenciais e virtuais. Nossa revista é distribuída amplamente, temos podcast, temos canal de entrevistas criado durante a pandemia, mas que ainda acontece para debater novidades, temos o Labtest Online que explica cada exame com muitas informações. Para a graduação temos um projeto - gratuito - que é o Educa Medlab, que será um portal com 80 aulas. O estudante de medicina paga apenas 1/4 da anuidade (antes era metade), para estimulá-lo a ser sócio da entidade, com acesso gratuito a todos os materiais que temos de EAD. Estimulamos as ligas acadêmicas com ajuda de todo tipo, temos parceria com o ChoosingWisely,  além de vários outros eventos. A SBPC/ML também abre espaço para o acadêmico participar da grade do congresso, organiza o Concurso Acadêmico,  e quem  participa como palestrante do congresso e recebe passagem, hospedagem e ajuda. 

 

Residências 

Hoje existem apenas onze programas ativos de residência médica para a especialidade, sendo oito em São Paulo, um no Rio Grande do Sul, um  no Rio de Janeiro e um em Minas Gerais. Recebemos nesses programas, colegas de todo o país. Além da residência, de 3 anos, quando o médico recebe uma bolsa do Conselho Nacional de Residência Médica, a outra forma de se obter o título de especialista em patologia clínica é a prova TEPAC da SBPC/ML. Nesse caso se candidatam colegas que já tem outra especialidade. No site da SBPC/ML, há a relação completa desses programas além de outras informações para os interessados em https://www.sbpc.org.br/pt/especializacao/programa-de-residencia-medica .

 

Medicina de precisão

Dr Andre Doi abordou ainda, outro aspecto: " a complexidade dos exames tem aumentado, cada vez mais o médico na nossa área tem papel chave. Genômica, metabolômica. Antes tínhamos tentativa e erro. Medicamentos funcionam o e outros nãoo. Hoje, principalmente no câncer, temos análise genética do câncer e já tem uma terapia direcionada mais precisa, com resposta. Na depressão, a mesma coisa, há medicamentos que funcionam para uma pessoa e nãoo para outra. Alguns exames de farmacogenômica direcionam para o tratamento correto porque analisam alguns genes que impedem a resposta de tal medicação". 

 

Texto originalmente publicado na revista Labor News