Hipercoagulabilidade é um estado hereditário ou adquirido que aumenta o risco de formação excessiva de coágulos sanguíneos. A coagulação é uma resposta normal a lesões de tecidos. Quando um vaso sanguíneo se rompe, o sangue vaza para os tecidos vizinhos ou para o exterior do corpo. A perda de sangue é interrompida por um processo complexo, chamado hemostasia. Esta se inicia com a vasoconstrição local, que reduz o fluxo de sangue. Ao mesmo tempo, as plaquetas aderem ao local da lesão e se agregam formando um tampão que fecha a lesão no vaso. Sobre esse tampão plaquetário ocorrem reações de proteínas plasmáticas, chamadas fatores da coagulação, que culminam com a formação de uma rede de fibrina que envolve a lesão e forma um coágulo firme insolúvel. Enquanto acontece a regeneração dos tecidos, o coágulo de fibrina é destruído por um processo chamado fibrinólise.
Normalmente, todos esses processos são controlados. Desequilíbrios podem provocar, por um lado, sangramento excessivo e, por outro, coagulação exagerada (trombose). Coágulos formados dentro dos vasos são chamados trombos. Os mais comuns se formam nas veias profundas das pernas (trombose venosa profunda), causando dor e edema. Outros se formam em artérias, provocando infartos. Os trombos podem liberar fragmentos (êmbolos) que são transportados pela circulação e obstruem vasos menores (embolia cerebral, embolia pulmonar).
Algumas mutações hereditárias podem resultar em predisposição a trombose. Algumas são bastante comuns, como o fator V Leiden e a protrombina 20210A, mas apenas aumentam um pouco o risco de trombose. Outras, como a deficiência de proteína C, a deficiência de proteína S e a deficiência de antitrombina III, são relativamente raras, mas provocam distúrbios mais graves. Com exceção da deficiência de antitrombina III, que é autossômica dominante, esses distúrbios hereditários podem ocorrer em heterozigotos (uma cópia do gene) ou homozigotos (duas cópias do gene). O risco de trombose é maior em homozigotos ou em heterozigotos para mais de uma mutação. Os pacientes podem apresentar tromboses recorrentes, história familiar de trombose e coágulos em locais incomuns, como veias cerebrais, hepáticas ou renais. Em muitos casos, a primeira trombose acontece antes dos 40 anos de idade.
Os distúrbios adquiridos são mais frequentes que os hereditários. Podem estar relacionados, por exemplo, com anticorpos anti-fosfolipídio, doenças hepáticas e alguns tipos de câncer. Na coagulação intravascular disseminada, há ativação e consumo de fatores da coagulação que provocam um quadro grave de microtromboses e sangramentos.
As próximas páginas descrevem alguns estados de hipercoagulabilidade.
Distúrbios de ativação da coagulação
Qualquer processo que prejudique o fluxo sanguíneo regular pode facilitar a ativação da coagulação. Anormalidades comuns da parede vascular que facilitam tromboses:
- Aterosclerose – Depósitos de lipídios e de cálcio nas paredes das artérias. Formam placas que dificultam o fluxo sanguíneo e podem se romper, produzindo êmbolos e causando acidentes vasculares cerebrais e infartos do miocárdio.
- Vasculites – Inflamações das paredes vasculares podem provocar adesão de plaquetas e ativação da coagulação.
Problemas de controle da coagulação
Hereditários:
- Resistência à proteína C ativada (fator V Leiden). Mutação do gene que codifica o fator V da coagulação. O fator é ativado normalmente, mas resiste à inativação pela proteína C ativada, que controla a coagulação.
- Protrombina 20210a. Mutação com substituição de um aminoácido na protrombina, resultando em hiperprotrombinemia e tendência a trombose.
- Deficiência de antitrombina III - Esta inativa diversos fatores da coagulação (trombina, Xa, IXa, XIa). Sua deficiência aumenta o risco de tromboses, em especial tromboses venosas profundas.
- Deficiência de proteína C - Esta participa do controle da coagulação, inativando os fatores Va e VIIIa.
- Deficiência de proteína S - Esta é um cofator da proteína C.
- Níveis elevados de fator VIII - Quando são persistentes e não associados a inflamação ou a outros distúrbios, podem estar relacionados com aumento do risco de trombose.
Adquiridos:
- Anticorpos anti-fosfolipídio (anticoagulante lúpico e anticorpos anti-cardiolipina).
- Coagulação intravascular disseminada.
- Alguns tipos de distúrbios mieloproliferativos.
- Em casos raros, anticorpos antifatores da coagulação - A maioria desses anticorpos gera tendência hemorrágica, e não ao risco de trombose.
- Lúpus eritematoso sistêmico - Pode incluir no quadro clínico vasculites e anticorpos antifosfolipídios.
Problemas de reabsorção de coágulos (fibrinólise)
Hereditários:
- Deficiência congenital de plasminogênio - Quando este é ativado forma a plasmina, enzima que destrói o coágulo de fibrina. A deficiência de plasminogênio está associada a conjuntivite crônica, e não a complicações trombóticas.
- Disfibrinogenemia. Variantes genéticas do fibrinogênio - A maioria não causa problemas, mas algumas estão associadas a tendência hemorrágica e outras a complicações trombóticas.
Adquiridos:
- Deficiência de plasminogênio. Veja acima.
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Deficiência de ativador do plasminogênio